Foi neste Outono, nesta estação triste,
metáfora de recordações de
tempos ídos, onde nos
descobrimos, tão sós,
levados tão dóceis pela
arquitectura das palavras, numa
geometria de sentidos, que
talvez os adivinhássemos longe,
perdidos...mas o crepúsculo
vermelho que ainda o céu conserva
mergulhou-nos na matéria efervescente dos segredos,
e o tom rubro dos fins de dia
lançou-nos no engodo
de momentos, onde vestígios
de nós se espalharam
em estilhaços de
imagens sem cor.
Foi, neste Outono
que viajamos por inóspitos lugares,
num desejo de verdade
que definhou ainda na
incubadora da fútil realidade, e
agora, de olhos a descoberto
vejo com um prazer ambíguo,
apagar-se tudo o que
ainda ontem em nós ardia.
Manu Chao - Me llaman Calle - do filme Princesas
Foto: Graça Loureiro
A noite tecia palavras de silêncio
as paredes vazias
recordavam-me a tua ausência,
mas, a tua perene presença em mim
gritava-te arrebatada , rouca, cansada.
No amargo desespero de não poder
...monologava com o medo,
num imenso pavor de nunca mais te ver.
Pernoitava no meu corpo fraco,
na consciente fealdade de mim,
que cada dia sentia mais óbvia.
Iria ao teu encontro,
mas já não me reconhecia nas fotografias,
nas quais tu me sabias
bela, feliz...
os meus cabelos caíam, como as folhas mortas
que varriam a rua nesses dias, e os outros ,suspensos por
um fio de tempo,
diziam-me para ficar.
Partir seria tudo esquecer, e eu, tudo o que queria
nesses tempos era viver, viver e poder
ser, a que tinha sido.
Recusava o óbvio presente cruel, que
via, como um
punhal que me esmagava no
mais profundo do meu sentir,
e sentir era tudo o que tinha!
Mas, os ângulos escuros do meu quarto,
as minhas veias cansadas,
os meus cabelos no chão,
esmagavam-me,
e na profunda saudade de mim,
murmurava baxinho a nossa canção.
A tua existência, mesmo na desordem das horas
do tempo que foi,
mesmo na mais crua violência da desolação,
foi o resíduo de vida,
foi a âncora que me prendeu ao chão.
Sade in By your side
Foto: Autor desconhecido; Galeria Sapo
Eu não entendo quase nada
e penso torpemente,
mas o teu beijo é belo,
silencioso,
perfeito.
Eu não entendo quase nada,
e prostrada,
impávida no meu leito,
recordo o teu olhar sereno,
a tua sólida frescura,
o secreto anel calado,
a tua tez escura
e a pureza do teu beijo,
que ainda sinto,
docemente.
Dee Dee Bridgwater - Ne me quitte pas
Foto: Pereira Lopes
David Bowie - Wild is the Wind
Foto: Graça Loureiro
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